O quão algo, ou alguém, pode vir a caber em sua rotina diária é mediante ao tipo de pessoa que você é. Mediante a sua personalidade, seus gostos e, principalmente, sua história. A forma como a mesma fora escrita até então, e como você pretende continuar com ela ao decorrer de sua vida. Nada se trata de destino, realmente, e sim de força de vontade. E como 'Preacher's Daughter', álbum debutante da cantora, compositora e produtora Ethel Cain, vira a preencher as lacunas de minha existência é simplesmente extraordinário.
Nascida em Tallahassee, no mês março de 1998, a nova sensação do cenário alternativo musical atual vêm firmando-se, de tamanha maneira, que já se faz compreensível afirmar que não trata-se mais apenas duma sensações, e sim do nascimento de uma nova estrela nos céus. Com uma sonoridade distinta e cativante, provinda da implementação de elementos característicos do ethereal wave e ambient na composição melódica de canções indie rock/pop/slowcore de cargo emocional grande, a jovem de apenas 24 anos vêm ganhando fortemente espaço para si mesma na vida das pessoas que a ouvem — não pôr apenas isto, como também por suas composições dolorosamente sinceras e realistas que figuram perfeitamente o cotidiano conturbado e bagunçado dos estado-unidenses.
Sendo uma mulher trans vinculada a uma típica família americana, com ideias cristãs predominantes em suas vidas, Ethel Cain tem muito o que contar em seu mais recente trabalho, como: A sexualização de seu corpo perante a visão perversa de homens de intenções duvidosas; o desapontamento que causará a sua família enquanto estando muito distante dos ideiais pre-estabelecidos pela sociedade em que vive; e, em consequência disso, problemas com auto-estima e em confiar no próximo o qual pôde vir a machucar como a machucaram no passado. 'Preacher's Daughter', por servir de meio de transmissão e compartilhamento da jovem de tais questões e mais umas outras, logo pode fazer-se extremamente significativo sob a perspectiva de pessoas presentes na exata mesma realidade que a dela como também das de demais outras que podem resignificar o seu trabalho para sua própria visão de mundo — como eu.
Eu sou um jovem gay com autismo, também presente numa realidade extremamente conservadora e religiosa, me identifico demais com os assuntos que Cain aborda em seu primeiro álbum. Em decorrência da dura realidade a qual sempre estive, tenho muita dificuldade em confiar nas pessoas em minha volta o meu coração e vê-lo sendo quebrado mais uma vez em minha frente. Fui muito ferido, principalmente por questões envolvendo bullying e a pressão de meus pais enquanto ao meu futuro numa religião a qual nunca me senti acolhido ou bem-recebido. Pra mim, ter com quem conversar e/ou compartilhar das mesmas dores é incrível e terapêutico, e foi isso o que achei quando passei a acompanhar mais fielmente o trabalho da cantora.
'American Teenager', primeiro contato que tive com a cantora, ainda mantém-se quente sob a palma de minha mão. A canção é linda, com uma composição que transmite uma dor visceral por meio do realismo puro e concreto. A voz que o interpreta, Ethel, consegue transmitir tudo de forma tão magnífica e sincera que chega dói, e muito! 'Stranger', a música que ouvir em sequência da outra, toca ainda mais no fundo de minha alma ao dialogar diretamente comigo. No primeiro verso logo eu me emociono: "In your basement, I grow cold; Thinking back to what I was always told; Don't talk to strangers or you may fall in love; Freezer bride, your sweet divine; Your devour like smoked bovine hide; How funny, I never considered myself tough". A instrumentalização da faixa, durante os cinco minutos de duração (que mais parecem dois de tão bom que a faixa é), crescer imensamente até destrinchar numa crescente eufórica e fevorosa, aonde Ethel quebra o coração de qualquer um, cantando: "Am I making you feel sick?; Am I making you feel?; Am I making you feel sick?; Am I making you feel?; Am I making you feel sick?; Am I making you feel sick?; Am I making you feel sick?; Am I making you feel sick?; Am I?". É uma experiência como nenhuma outra, assim como todo o álbum.
Num geral, 'Preacher's Daughter' é um primeiro ato grandíssimo de Ethel Cain. Todas as canções aqui são lindamente instrumentalizadas, com magníficas paisagens e ambientações. Não há um momento a qual eu não estivesse completamente submergido na atmosfera sombria e avassaladora do álbum. Com toda a certeza a disputa de quem ganhará o título de álbum do ano até o final dele vai ser bastante disputada e acirrada!