Deize Tigrona, assim como MC Carol e Tati Quebra Barraco, é um nome importante na história da música brasileira. Antes do funk se tornar um dos gêneros mais populares do mundo, o produto genuinamente brasileiro passou por uma fase de popularização extremamente conturbada, e até hoje, é visto com olhares de preconceito. Foram elas, em primeira instância, que fizeram desse cenário um verdadeiro espaço de destaque e acolhimento para artistas pouco favorecidos pelo grande empresariado musical. Mais do que isso, o funk serviu de palco para que mulheres como Deize, Carol e Tati pudessem expressar os seus sentimentos livremente, da mesma forma que os homens sempre fizeram.
A liberdade, apesar de categoricamente necessária em todas as manifestações artísticas, nunca foi de fato concedida aos funkeiros. Em 2017, tramitou pelo legislativo um projeto de lei que buscava criminalizar o funk. O debate se estendeu por semanas nas redes sociais e o motivo, obviamente, escancarou o racismo e o elitismo de certa parcela da sociedade que ainda repudia este estilo como parte de um movimento musical legítimo. É após todo esse contexto que Deize Tigrona retorna à cena com seu novo álbum, Foi Eu Que Fiz, condensado temáticas que percorrem os seus 14 anos afastada e tornando a marcar presença como uma figura encabeçadora deste gênero que ocupa os meios fonográficos dentro e fora do Brasil.
Conhecida pelo hit “Injeção”, que foi sampleado por M.I.A. na música “Bucky Done Gun”, Deize sempre serviu de influência e referência para diversos artistas, principalmente, por conta do seu olhar destemido sobre algumas questões consideradas tabu. Infelizmente, a funkeira precisou se afastar dos palcos após passar por um quadro grave de depressão. Mas, depois de recuperada, ela então retorna com apetite de dar continuidade à sua carreira, que teve uma alta simbólica em decorrência do viral de “Sadomasoquista”, em 2021. Parte desse desejo de voltar aos holofotes, se deve, também, à importância da artista como uma coluna de sustentação no próprio funk, já que, há tempos não temos um projeto tão definitivo e inovador semelhante ao dela.
Foi Eu Que Fiz, sonoramente, vai além das melodias postadas no funk carioca. Aqui, a presença de vertentes ligadas à música eletrônica são peças essenciais da produção assinada por Teto Preto, DJ Chernobyl, Malka, JLZ e BADSISTA. E, embora percorra por caminhos que vão do mandelão ao grime, o álbum tem por princípio se manter firme nas raízes de Deize, e ela, por sua vez, deixa isso claro logo na faixa de abertura, “Sururu das Meninas”, um proibidão que narra uma orgia entre mulheres: “Suruba das meninas / Macho tem medo / Dedo no cu e gritaria / É chupação de grelo”. Na sequência, ocorre uma mudança de temática interessante: “Monalisa”, apesar de conter letras explícitas, tem como foco os sentimentos da funkeira, que reflete: “O mar é lindo, ele me salvou”. Enquanto isso, “Sobrevivente de Rave”, e, o ponto alto do disco, “Bondage”, são responsáveis por torcer e retorcer a estrutura escolhida pela produção. Neste ponto, BADSISTA aposta em batidas agressivas e breaks que sustentam a euforia de Deize.
“Ibiza”, mistura humor com desejo e condensa tudo entre versos explicitamente férteis. Já em outros momentos, vemos ela reivindicar um espaço próprio, como na faixa-título, “Fui Eu Que Fiz”, que desperta através de pontos narrativos onde a cantora busca manter a sua autoridade, merecida e incontestável, de pioneira do funk. Com rimas afiadas e um aceno maior ao grime, “A Mãe Tá On” finaliza o projeto do jeito que começou: cheio de efervescência. Em poucos minutos, a funkeira parece disposta a trazer à tona em um só instante todos os anos em que esteve afastada. Fui Eu Que Fiz, além de inaugurar um sentido novo na carreira de Deize Tigrona, também se mostra um material base pronto para ser replicado, afinal, se o que temos hoje foi, em partes, feito por ela, o futuro pode, de alguma forma, providenciar algo que transpire convicção e força como encontramos neste álbum.